Creio
que o poema inicial de Reflexos e
reflexões já desperta os leitores para uma característica fundamental do
artista. “A obra”, texto em que o poema passa a ser continuamente predicado de
diferentes formas, introduz a característica mutável do artista que nunca se
cansa ou se dobra diante das infinitas possibilidades. Assim, Reflexos e reflexões é fundamentalmente
uma obra aberta, que pede e anseia pela interferência do leitor para não ficar
velho, antigo, pra não acabar, pra ser reformado, pra não ter regresso ou
recesso e pra ter sua cara. Digo isso, replicando alguns dos predicados do
poema que apresenta as possibilidades de Reflexos
e reflexões.
Em
uma obra aberta, no mais criativo dos sentidos que essa atribuição possa
assumir, é natural que o autor proponha jogos de leitura e representação. Há no
livro poemas curtinhos, como “Só lido”, que transcrevo: “Bom dia, / solidão. //
Boa tarde, / sol. // Boa noite, / só.” Também outros, quase provocações, assim
como “Acessar”, “Aguardar”, “ Anjo malandro”, “Separação”, para citar apenas
alguns. Estes e muitos outros ao longo do livro, são poemas que de um modo
direto e sincero brincam com os sons e colocam situações quotidianas que certamente
pulam na mente de qualquer leitor, mas que Gringo Carioca teve coragem de
colocar no papel, demonstrando assim uma jovialidade que muitos artistas passam
toda a vida pra aprender, e fracassam justamente por que no cerne de tudo
esqueceram que a obra abre-se como criança, primeiramente, e de um ludus ontológico nascerá a arte.
Os poemas “Casa de areia”, “Cegueira”,
“Esperança vazia”, “Paz”, “Romance” e “Tudo em vão”, por sua vez presenteiam o
leitor com o contraponto de imagens poéticas mais elaboradas. Aliando em si
alguns clichês poéticos revisitados com técnicas variadas, como assonâncias e
repetições internas se alternando com rimas de diferentes tipos, sem excessos
nem exageros: simples poesia que soa bem à voz da leitura.
Um livro divertido e leve, Reflexos e reflexões, de Gringo Carioca
nos apresenta uma poesia com um caráter pop,
e uma reflexão fundamental sobre a acessibilidade da palavra. Concluindo com
alguns dos versos do autor: “o poema é uma obra em progresso // o poema é um
projeto / o poema não tem hora pra começar / o poema não tem hora pra acabar /
o poema não depende apenas do poeta”, é um convite à obra.
-- ROBERTO DUTRA JR.
Roberto Dutra Jr. é
um neurótico social como todo brasileiro de cidade grande. Adora
literatura, mas as palavras não fazem mais sentido. Mestre em Letras,
tem um livro publicado e diversos artigos de caráter acadêmico e crítico
publicados. Foi editor de revista acadêmica, contribuiu para jornais e
revistas literárias no Rio de Janeiro e tem um seríssimo flerte com a
música. Adora gatos e poemas, que movem-se na penumbra e nunca
revelam-se inteiramente. Leia mais textos do autor aqui.
http://www.mallarmargens.com/2014/10/roberto-dutra-jr-resenha-reflexos.html