Resenha: “Reflexos & reflexões” de Marco Alexandre de Oliveira (Gringo Carioca)
Reflexos & reflexões, Gringo Carioca (pseud. de Marco Alexandre de Oliveira), Rio de Janeiro, Oito e meio, 2014. 87 p. ISBN 978-85-63883-60-5.
Luiza Lobo
Rio, março de 2015
É inegável a impregnação concretista, neste Reflexos & reflexões(2014), de Marco Alexandre de Oliveira, que o publica com o pseudônimo de Gringo Carioca, e nem poderia deixar de ser. Em seus trabalhos em congressos e na própria tese de Doutorado estudou bastante a poesia de base concretista, em suas idas e vindas entre os Estados Unidos e o Brasil. Brasileiro, mas educado nos Estados Unidos, há alguns anos decidiu aventurar-se e fixar-se aqui, o que lhe rendeu a confortável posição de bilíngue.
O livro de poesia, se não me engano o seu primeiro, surpreende pela maturidade do autor – embora tal surpresa não devesse ocorrer, dada a quantidade de estudos que este aluno de “honours” nos EUA já realizou. Chegando ao Brasil, logo desbravou os espaços do ensino, saltando do IBEU para a PUC, como quem vai e volta até a esquina.
O livro se abre muito inventivo, trazendo definições dicionários de reflexo e de reflexão, seguindo o modelo modernista de Eliot, no Waste Land, que nos preparou boas armadilhas em forma de boutade com supostas fontes utilizadas no seu The Waste Land. Mas aqui Marco segue à risca a ideia de reflexo, em que a verossimilhança entre objeto e imagem é estilhaçada, o que nos leva à reflexão.
Passado o susto inicial, deparamos com um índice – realmente índice, indício de palavras-guias, e não sumário, a rigor – de três páginas, que são um primor de súmula do pós-moderno. A maior parte dos títulos tem uma ou duas palavras, por vezes artigo e substantivo. Já este “índice” indica a linha concretista paródica e crítica escolhida pelo jovem autor: um corte seguro nas palavras e na realidade cotidiana levando a metáfora a tal extremo que esvazia a poesia de todo substrato sentimentalóide que em geral permeia a poesia contemporânea. Menos Drummond, nos seus momentos mais piegas, e mais Cabral, Augusto e Haroldo de Campos, ou Décio Pignatari nas suas fases mais cortantes.
Este corte no senso comum fica evidente em títulos como “sem zen”, “senso (in)comum”, “só lido”, “zazen” etc. Para completar o espírito de criatividade, o rapaz ainda faz uma intertextualidade com os dois sumários de Guimarães Rosa em Tutameia, que apresenta diversos jogo com as letras do alfabeto, seja nos sumários, seja no nome das personagens. Assim, os poemas vão de a a z, e todos os títulos vêm em minúsculas.
O famosíssimo Poema de sete faces, de Alguma poesia (1929), de Drummond, Quando nasci, um anjo torto / desses que vivem na sombra / disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida, tão parodiado, inclusive na conhecida versão de Torquato Neto, ganha aqui uma inventiva releitura carioca, intitulada “poema de 7 caras”, que começa: “Quando nasci, um anjo malandro / desses que vivem na Lapa / disse: Vai, gringo! ser carioca na vida.” Engenhoso também na sua penúltima estrofe, quando apresenta este auto-retrato: “Mundo mundo vagabundo / se fosse profundo / seria até bacana, não seria esse lixão. / Mundo mundo vagabundo / mais vago que nem palavrão. // Eu devo acrescentar / que esse sol / que esse sotaque / deixam a língua enrolada como outra” (2014, p. 57).
Mas há outras páginas menos paródicas com relação à poesia lírica modernista, mesmo que ainda tenham um travo do “para que tantas pernas, meu Deus?” da última estrofe do Poema de sete faces: “Eu não devia te dizer / mas essa lua /
mas esse conhaque / botam a gente comovido como o diabo” e que mergulham mais profundamente no concretismo, como o “para poesia pura”: para que poesia, / poesia para quê? // para poesia, / “poesia para” // poesia que para, / para que poesia // para poesia, / “poesia pura” (2014, p. 52).
mas esse conhaque / botam a gente comovido como o diabo” e que mergulham mais profundamente no concretismo, como o “para poesia pura”: para que poesia, / poesia para quê? // para poesia, / “poesia para” // poesia que para, / para que poesia // para poesia, / “poesia pura” (2014, p. 52).
Já noutros momentos a opção concretista é um fato – mas que não perde o sentido de mensagem, o que às vezes desaparecia no excessivo afã visual, na poesia concretista. É o caso do poema “perguntas”, título que aparece no índice, mas que na pág. 55 tem apenas ao alto sete pontos de interrogação; o poema se compõe exclusivamente de pontos de interrogação formando um enorme ponto idem. O recurso da interrogação tem uma variante cujo título, no índice, é “charadas”, mas que na pág. 31 surge apenas como vários pontos de interrogação em negrito sugerindo diversas perguntas, enigmas ou charadas.
“Tão alone” (2014, p. 79) é um poema bilíngue que diz tudo com muito pouco: “tão alone / So só”, no qual duas palavras são em português, tão e só, e duas em inglês, alone e so – que por acaso também significa tão, o que reduz a estrutura desse poema a dois versos redundantes, misturando línguas. “Zazen” (2014, p. 85), o último poema da mostra, joga com as letras z e a palavra zazen na forma de uma pessoa meditando e faz jus ao título do livro, reflexos & reflexões.
O espelhamento de sílabas, ecos, indagações, palavras, na sua unidade mínima, nos despertam, neste livro, para o vazio do sentido da maior parte de nossas ações diárias, e nos remete para a reflexão sobre o verdadeiro sentido da vida. Isso talvez responda ao verso do poema “para poesia pura” (2014, p. 52) “poesia para quê”. É o próprio poeta que nos responde, no poema visual “por q” (2014, p. 61): ainda uma interrogação dentro de um ovo contém a palavra “quê”, que nada mais é senão um óvulo. Aí está tudo que é um nada. Palavra precisa e certa. Excelente livro.
[Fonte: http://litcult.net/site/reflexos-reflexoes/]
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